As perspectivas de crescimento das redes subterrâneas no
Brasil em curto prazo não são boas. A Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), órgão regulador do setor elétrico e por onde o desenvolvimento das
redes subterrâneas em âmbito federal deve ser iniciado, realizou até o momento
poucas ações neste sentido. Em 2013, a agência promoveu seminários voltados às
redes subterrâneas com a participação de concessionárias e outros agentes do
setor. Um ano depois, em 2014, realizou uma consulta pública com o objetivo de
receber contribuições sobre investimentos em redes subterrâneas e avaliar a
necessidade de aprimoramentos. E só agora, em 2016, promoveu uma audiência
pública para discutir o aprimoramento da regulação de investimentos em redes
subterrâneas de distribuição de energia elétrica.
O diretor-executivo da RDS Brasil, Daniel Bento, acredita
que a Aneel é omissa no que se refere à regulamentação das redes subterrâneas e
morosa nas ações que devem levar a isso. De acordo com o diretor-executivo da
RDS, é necessário que a agência defina uma meta, um objetivo e um prazo para a
implementação das redes subterrâneas. “Se a Aneel não disser como
as concessionárias devem fazer, os projetos nunca sairão do papel. É preciso
definir qual é a regra e não deixar as concessionárias correrem risco”, afirma.
Por sua vez, o proprietário da Tempo Giusto Consultoria
Empresarial e ex-presidente da AES Eletropaulo e da EDP Brasil, Eduardo José
Bernini, acredita que não é apenas por falta de uma regulamentação por parte da
Aneel que as redes subterrâneas não avançam massivamente no Brasil. Segundo
ele, um dos principais obstáculos é a falta de uma política pública que
harmonize os conflitos e os interesses das empresas (de gás natural, água e
esgoto, energia elétrica e telecomunicações) que utilizam a área subterrânea
das cidades. Neste ponto, o problema é mais de ordem municipal do que federal.
Bernini afirma que falta uma visão holística para infraestrutura urbana do
país. “Quem deve harmonizar todas essas competências através de políticas
públicas de caráter local é o município”, explica.
É preciso reconhecer, segundo o proprietário da Tempo
Giusto, que a urbanização brasileira foi levada a cabo de uma maneira caótica e
que o subterrâneo da cidade reflete esse caos. São usos selvagens, conforme
Bernini, com empresas de gás natural, água e esgoto, energia elétrica e
telecomunicações, dividindo espaço de maneira desorganizada, competindo
desordenadamente pelo subsolo das cidades. “Trata-se de um subterrâneo
desconhecido”, afirma o ex-presidente da AES Eletropaulo, destacando que mapas
de subsolo não são garantia de nada. “Foram feitos em épocas em que a
documentação não era realizada de forma rigorosa, existindo disparidade entre o
planejado e o executado”. Em decorrência, há muitos anos, redes de gás e
saneamento, por exemplo, acabam se atropelando.
A falta de planejamento urbano também é sentida, segundo
Bernini, nas redes aéreas de energia elétrica das cidades do país. “A pior
sequela que temos hoje nas redes aéreas é a ocupação de espaço reservado para
os postes de cabeamento de telecomunicação, que é precária do ponto de vista do
uso” explica Bernini. Para ele, a rede foi concebida para carregar as linhas
primária, secundária, o transformador e os ramais que ligam os clientes, existindo
também uma faixa destinada à Iluminação Pública (IP) e outra faixa para
telecomunicação, que antigamente consistia em um par de cabos metálicos,
exclusivamente para telefonia.
Atualmente, no entanto, os fios destinados à área de telecom
aumentaram, com a inserção de cabos de fibra ótica, rede de TV a cabo, etc.
Junte-se a isso a qualidade da manutenção destes equipamentos, que segundo
Bernini, é muito ruim e ainda um emaranhado de fios nos postes, que torna as
cidades menos bonitas e seguras. Dessa maneira, as redes áreas, que comportam,
muitas vezes de uma maneira não organizada, cabos de energia elétrica e de
telecomunicações, também são uma questão de política pública dos municípios,
visando a revitalização urbana por meio do enterramento destas redes.
“O envolvimento da autoridade municipal é fundamental para
alavancar as redes subterrâneas de energia elétrica no país”, reitera Bernini,
destacando que ainda não houve, porém, a inserção do tema nos planos de
urbanização das metrópoles. Por exemplo, no mais recente Plano Diretor
Estratégico para a cidade de São Paulo, estabelecido via Lei 16.050/2014, que
foi sancionada em julho de 2014, não houve menção às redes subterrâneas. “Como
se o assunto não existisse, mas ele existe e é um problema”, afirma o
ex-presidente da AES Eletropaulo, sublinhando que “não é prioridade porque está
debaixo da terra, ou seja, não é visível”.
Além da falta de iniciativa municipal, através de políticas
públicas, Bernini enfatiza outro problema que precisa ser solucionado a fim da
maior difusão das redes subterrâneas no país: a viabilidade financeira. E isso
passa pelo financiamento do projeto e pela recuperação deste investimento. As
concessionárias não se veem estimuladas a fazer investimentos em redes
subterrâneas, pois estes podem não ser reconhecidos pela Aneel no momento da
revisão tarifária, fazendo com que as distribuidoras arquem com os custos
integralmente.
Conforme o ex-presidente da AES Eletropaulo, a postura da
Aneel é de que o investimento não onere a tarifa dos consumidores. Redes aéreas
possuem vida longa, que pode ser estendida com manutenção e troca de
equipamentos. Ao comparar o investimento marginal para a manutenção das redes
aéreas com os investimentos visando à transformação de redes aéreas em redes subterrâneas,
a distribuidora percebe que o primeiro é menor do que o segundo, optando assim
pela manutenção das redes aéreas.
A Aneel apresenta ainda, no momento, um argumento poderoso,
segundo Bernini, que impossibilita a preferência por redes subterrâneas.
Enquanto um número restrito de pessoas se beneficiaria da conversão de redes
aéreas por redes subterrâneas, o custo seria compartilhado com todo os
consumidores da área de concessão de uma determinada distribuidora. A pergunta
então permanece: como se forma o financiamento para investir em redes
subterrâneas e como se recupera este investimento por meio da cobrança
tarifária. “Quem vai auferir os benefícios? Quem vai pagar a conta? ”, indaga.
Se o impasse financeiro não for superado, não há também como
se pensar em leis que tornem obrigatória a implementação de redes subterrâneas
no Brasil, como as que foram instituídas na cidade de São Paulo. Nesse sentido,
o presidente da Tempo Giusto destaca a necessidade de que se encontrem novos
modelos de negócios. Um exemplo seria o modelo de concessão de exploração de
redes e dutos, no qual uma empresa construiria uma via subterrânea para a
passagem de redes e depois a alugaria para as concessionárias de água e esgoto,
gás natural, energia elétrica e telecom. Uma maneira de, em um único meio
físico, se efetuarem vários serviços.
MELHORIA DA
PRODUTIVIDADE
Da atual rede de distribuição de energia elétrica
brasileira, apenas 2% é composta por redes subterrâneas. Na Alemanha, um dos
países mais desenvolvidos do mundo, 78% da sua rede é subterrânea, apresentando
um índice médio de Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora
(DEC) de 23 minutos. No Brasil, o DEC médio é de 18 horas. Quanto maior a
duração de interrupção da energia, maior o tempo em que o país deixa de
trabalhar e produzir riquezas, segundo o especialista em redes subterrâneas e
diretor executivo da RDS Brasil, Daniel Bento, para quem a única maneira de se
melhorar esses índices é por meio do enterramento de redes. Isto porque,
explica o ex-presidente da AES Eletropaulo Eduardo Bernini, redes aéreas são
vulneráveis. “Apesar da melhora de proteção, a taxa de falha é muito maior do
que nas redes subterrâneas”, diz.
Um país desenvolvido possui alta produtividade. E um país
que quer produzir precisa de uma infraestrutura adequada para isso. A energia
elétrica é um elemento essencial da infraestrutura de um país, logo, a produção
de energia elétrica e a falha em sua distribuição estão diretamente
relacionadas à melhora ou piora da produtividade. O diretor executivo da RDS
Brasil comenta que uma interrupção de energia pode afetar, por exemplo, o
sistema de semáforos de uma cidade, gerando engarrafamentos. “Este tempo no
qual o cidadão fica a mais no trânsito é um tempo desperdiçado, que poderia
estar sendo usado para produzir”, diz. A interrupção de energia elétrica afeta
também as indústrias, cujas máquinas precisam ser reiniciadas após a queda de
energia. Este processo é demorado, afetando, consequentemente, a produção
industrial.
Bento ressalta também como as redes subterrâneas podem
melhorar a segurança e o turismo de um país. Segundo o diretor da RDS, a
quantidade de mortes e de acidentes não fatais relacionada às redes aéreas de
energia elétrica é bem maior do que a relacionada às redes subterrâneas. O
enterramento de fios e cabos torna também a cidade mais bonita, atraindo, dessa
forma, turistas para visitação. “Atualmente, neste sentido, existem várias
iniciativas de prefeituras no país no sentido de instalar redes subterrâneas em
algum lugar da cidade”, diz.
A Universidade de São Paulo é um caso que ilustra bem como a
mudança de redes aéreas para redes subterrâneas está diretamente atrelada à
diminuição do número de interrupções por falta de energia elétrica. No final da
década de 1990, a universidade tinha sua energia elétrica distribuída por redes
aéreas. Devido à alta densidade arbórea da região, nos meses do verão, época de
chuvas fortes e ventanias, a incidência de queda de árvores nas redes aumentava
e era alto o índice de interrupção de energia. Segundo o chefe da divisão de
infraestrutura da Cidade Universitária, Enea Neri, a frequência de interrupção
de energia na USP naquele período costumava ser de aproximadamente 40 vezes e a
duração média chegava a cerca de 12 horas.
Em 1996, foi firmada uma parceria entre o Instituto de
Energia e Ambiente (IEEUSP) e a Prefeitura da Cidade Universitária para o
desenvolvimento de um projeto de rede subterrânea em média tensão na
universidade, em moldes distintos do realizado pela AES Eletropaulo. O projeto,
que foi financiado em parte pela Fapesp e em parte pela própria USP, consistiu
no enterramento dos cabos diretamente do solo, com fitas de sinalização de
alerta, ao contrário do que é feito pela concessionária, que utiliza bunker de
concreto para vedar os fios e os cabos elétricos. “Esta parte civil é muito
dispendiosa”, explica Neri.
Ao todo, de 1998 a 2000, foram instalados e energizados 28
km de cabos, sendo 23 km de rede tronco (principal) e 5 km de derivações
(radiais) que atendem às cabines primárias. A rede alimenta a cidade
universitária inteira – 65 consumidores diretos, entre faculdades, institutos e
outras unidades. Desde então, conforme o chefe da divisão de infraestrutura da
Cidade Universitária, não foram registradas mais interrupções em razão de
intempéries.
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